sexta-feira, 22 de julho de 2016

MOZART FOI MORTO POR SALIERI

Mozart e Salieri


Nem todas as lendas no mundo da música surgiram na modernidade, algumas são centenárias, a que tratarei agora vem diretamente do século XVIII e trata da morte de um dos maiores compositores da história, Johannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart, cujo nome artístico (isto também não é coisa moderna) foi Wolfgang Amadeus Mozart.

A lenda diz que a genialidade de Mozart era tão grande que despertou um sentimento de inveja no compositor oficial da corte austríaca, o italiano Antonio Salieri, que dava aulas para o próprio imperador Joseph II.

A fama de Mozart era grande já desde criança, compondo com apenas cinco anos de idade e se apresentando por toda a Europa como músico prodígio levado por seu pai e acompanhado de sua irmã também muito talentosa, essas turnês duravam muitos meses e se repetiram até a idade de 25 anos, quando passou a trabalhar como músico independente na capital, Viena. Parece que Salieri a princípio ficou curioso para conhecer aquele rapaz de que todos falavam tão bem, mas teve uma grande decepção ao descobrir que aquele gênio era também um excêntrico quase despudorado, com uma personalidade infantilizada e ainda debochado em relação aos outros músicos.


Ao ser introduzido na corte, na presença do próprio imperador que queria conhecer o tão afamado artista, Mozart desdenhou uma composição que Salieri compôs em homenagem ao visitante, interpretando com absoluta perfeição ao cravo (um instrumento antecessor do piano) a música que acabara de ouvir e ainda improvisando melhorias na composição que ele achou simplória, surgiu aí ao mesmo tempo uma grande admiração e um ódio de Salieri pelo artista abençoado por Deus e ao mesmo tempo uma pessoa desprezível.


Durante muitos anos Salieri fingiu ser amigo de Mozart, mas fazia de tudo para boicotar seu inimigo secreto na corte, o que gerou problemas financeiros e de popularidade para Mozart. Sabendo destas dificuldades e que ele dava sinais de insanidade, Salieri resolveu criar uma farsa em que iludia o compositor fazendo com que ele associasse a imagem de um mascarado com a figura de seu próprio pai morto e ainda conseguir encomendar uma obra musical genial que ele pretendia apresentar como sua. Achando que estava compondo um réquiem (composição fúnebre) para seu próprio funeral, Mozart trabalhou alucinadamente até a exaustão enquanto Salieri o envenenava lentamente. Como a composição demorava para ser concluída ele ficou doente antes do que Salieri pretendia, então fingiu ajudar Mozart no leito de morte anotando as partituras que ele recitava de cabeça, mas apesar de seu esforço para terminar a obra e tomá-la para si, acabou ficando sem as anotações finais, de modo que o Réquiem acabou creditado a Mozart.


O atestado de óbito dava a causa mortis como febre miliar aguda, mas uma semana depois uma publicação alemã criou a suspeita de envenenamento. Mozart acabou sendo enterrado como indigente, sem testemunhas, em um local desconhecido, deixando sua viúva e dois filhos em situação financeira complicada.

Muitos anos se passaram e Salieri corroído pelo remorso enlouqueceu, foi internado em um hospício onde, nos últimos anos de vida (1823), era ouvido gritando em seu quarto...

“...eu matei Mozart, eu matei Mozart...”

Esta é a história contada pelo escritor russo Aleksandr Pushkin que em 1830 escreveu seu drama, Mozart e Salieri, que depois se transformou em uma pequena opera com um ato e duas cenas de Rimskji-Korsakov com o mesmo nome em 1898. Depois o escritor Peter Shaffer escreveu a peça de teatro intitulada Amadeus em 1970, repercutindo e ampliando a lenda que finalmente deu origem ao filme de Milos Forman, também chamado Amadeus em 1984 e que ganhou oito Óscares. A partir daí esta é a versão mais popular sobre o que aconteceu com o grande compositor austríaco.


Mas os estudiosos da história da música dizem que tudo foi bem diferente:

Salieri em sua época foi muito mais famoso que Mozart, ele era o compositor do imperador, suas muitas óperas eram prestigiadas, era um professor concorrido (chegou a dar aulas para Beethoven, Liszt, Schubert e o filho mais novo de Mozart) e era bem pago por tudo o que fazia. Já Mozart era um espírito livre, procurava o que havia de mais moderno na música de seu tempo, nem sempre era compreendido embora fosse bastante popular, mas como foi durante toda a vida um viajante que se apresentava quase como um artista circense da música, havia desconfiança dos empregadores da corte e dos mecenas (ricos que financiavam artistas) sobre a confiabilidade do compositor, de modo que não conseguia ser contratado para um trabalho fixo, tinha muitos altos e baixos embora nunca tenha passado necessidade, mas também nunca chegou a ser rico.

Seu corpo foi velado na catedral de Viena, mas naquele dia havia uma forte tempestade e nevasca, de forma que a família de Mozart não acompanhou o caixão, mas ironicamente há indícios de que um dos presentes no momento do enterro foi Salieri junto com alguns outros músicos.  Foram feitas muitas homenagens a Mozart em Viena e também em Praga onde suas óperas eram muito populares.

Há um suposto crânio do compositor que foi apresentado por um coveiro em 1801 e que foi submetido a vários testes e comparações genéticas, mas os resultados foram inconclusivos.

Apesar da grande popularidade de Salieri, ele era um compositor conservador, então sua obra se diluiu com os grandes músicos de sua época, o período Clássico, já a obra de Mozart foi muito influente no período que surgiu pouco tempo depois, o período Romântico, embora não tenha composto nada que se enquadrasse no estilo romântico, é bem provável que ele tenha dado aulas para o maior compositor deste período, Beethoven, então Mozart produziu o que havia de mais arrojado em seu estilo e provavelmente, se não tivesse morrido tão cedo, teria composto grandes obras primas de um novo estilo e teria sido ainda maior do que já é. Também não morreu na miséria, deixou várias obras inéditas que foram negociadas pela viúva e também algum patrimônio, principalmente em instrumentos musicais. As cartas desta época não indicam nenhum problema de depressão por parte do compositor, na verdade ele parece bem feliz.

Apesar do que se vê no filme Amadeus, Salieri era apenas seis anos mais velho que Mozart, quando se conheceram um tinha 25 e o outro 31, Salieri tinha mais intimidade com a vida reservada da corte, e Mozart era um homem viajado e descrito como tendo uma personalidade descontraída, porém nada que indicasse um desajustado social, como no filme. Os indícios históricos revelam que na verdade eles se davam bem, tendo inclusive composto uma Cantata (Per la ricuperata salute di Ofelia) em conjunto, obra descoberta há pouco tempo em Praga, na República Checa. Então a lenda parece ser uma inversão do que poderia ser a realidade, se alguém tinha motivos para inveja, não seria Salieri e sim Mozart, isto aparece em algumas cartas do compositor que se referia com algum despeito à popularidade de Salieri.

Parte da Cantata composta por Mozart e Salieri

Outra coisa errada na lenda é que o Réquiem não foi terminado por Mozart, alguns trechos estavam incompletos e foram terminados por dois de seus discípulos a pedido da viúva. A verdade é que Mozart realmente foi contatado por um homem mascarado que encomendou a obra, mas se descobriu posteriormente que se tratava de um compositor amador, o conde Franz von Walsegg-Stuppach, que encomendava composições e as apresentava como de sua autoria. Outra curiosidade é que após a edição do Réquiem a primeira execução completa da obra aconteceu no Brasil em 1819.

Mozart não chegou a completar 36 anos de idade e seu médico diagnosticou a morte como resultado de “febre miliar aguda” e a medicina nesta época era bem precária, o mais provável é que uma das várias doenças que Mozart teve na infância tenha deixado sequelas por toda sua vida e se manifestado de maneira fatal em um período posterior, provavelmente a febre reumático-inflamatória diagnosticada por várias vezes quando ele era criança, nesta época não se tinha nenhum conhecimento sobre infecções e as pessoas morriam de forma repentina e banalmente como resultado do próprio tratamento dos médicos. Há estudos modernos analisando os diversos sintomas descritos sobre os últimos momentos do compositor que corroboram que ele não morreu por envenenamento.

Não se sabe se a história de que Salieri teria feito a tal confissão no hospício seja verdade, mas caso tenha realmente ocorrido ainda resta a dúvida de que sejam palavras de um homem perturbado e influenciado pelas histórias que ele ouviu de outros, afinal alguém pode ter questionado o pobre insano que acabou fantasiando tudo no final da vida. Ainda assim há registros escritos de Salieri em cartas para seu pai onde confessou sentir alguma inveja de Mozart, mas ainda em suas boas faculdades mentais rechaçou as insinuações dirigidas a ele sobre o suposto envenenamento.

Outra teoria conspiratória é que Mozart teria sido morto pela Maçonaria por ter revelado segredos maçônicos em sua ópera A flauta mágica. Mozart realmente era maçom desde 1784, mas os símbolos maçons incluídos na ópera não são revelados em momento algum, só são entendidos pelos iniciados. Provavelmente seus irmãos maçons já estavam cientes do conteúdo da ópera antes mesmo de ela entrar em cartaz.

Outra teoria ainda menos aceita é de que Mozart tenha sido envenenado por um marido enciumado que suspeitava da traição de sua esposa, aluna do compositor.

A lenda pode ser verdade ou mentira, mas isso não interfere no que ele foi em vida e ele continua vivo em suas mais de seiscentas composições, algumas delas muito conhecidas em todos os cantos do planeta.

No vídeo, Lacrimosa, do Réquiem de Mozart, com regência de Herbert von Karajan.



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